O Café Joyeux já não é novo para os portugueses. O conceito chegou a Lisboa em novembro de 2021, com uma mensagem bastante diferente daquela que encontramos na maioria dos espaços de restauração: os empregados têm dificuldades a nível intelectual e do desenvolvimento, tais como Trissomia 21 ou perturbações do espetro do autismo. Agora, há um novo espaço em Cascais, inaugurado a 18 de julho — e todos vão querer conhecê-lo.
“É a primeira casa Joyeux à beira-mar”, começa por referir Filipa Pinto Coelho, presidente da associação VilacomVida, que trouxe o projeto para o nosso País. “A ideia é a mesma. Replica o conceito que já existe, que nasceu em França e que trouxemos para Portugal. É igual à que está patente no café em São Bento”, diz. Este espaço, porém, é maior e tem mais funcionários. “Na primeira unidade temos seis colaboradores. Aqui temos o dobro. Temos também uma cozinha maior e uma sala que nos vai dar um jeito enorme para a formação”, continua.
Yann e Lydwine Bucaille, fundadores do Café Joyeux original, estiveram na Travessa de Santa Catarina, junto à baía, no dia 11 de julho, para assinalar a abertura do terceiro café. A inauguração oficial ao público, porém, só aconteceu a 18 de julho.
Ali as sugestões focam-se principalmente nas saladas e tapas. Tudo pensado, claro, para ser servido nas duas grandes esplanadas do café. “É um espaço muito simpático, para todo o tipo de clientes — convivas, como lhes chamamos. Um onde se pode vir com amigos, a família, ou com colegas de trabalho”, referem os responsáveis.
Não se preocupe, porque a lasanha de espinafres e salmão, “que é muito procurada” no espaço de Lisboa, será também servida em Cascais. “E temos três propostas acabadas de sair, do chef Miguel Castro e Silva: o pica-pau Joyeux com peito de frango e molho mostarda, “que é uma delícia”; uma salada com alcachofras e queijo feta “que está a ser um sucesso”, e uma grande novidade que é a francesinha Joyeux. “Está maravilhosa, acredito que vai ser uma grande aposta”, assegura Filipa. Por fechar às 19 horas, o espaço aposta também nas tábuas de queijos e charcutaria.
“Sabia que ia ser bom, não sabia que ia ser tão bom”, revela a empreendedora sobre o percurso do projeto desde que chegou às suas mãos. “Tem sido incrível. Nunca tivemos uma reação menos positiva — pelo contrário. O serviço, de facto, funciona. E é isto que queremos mostrar: as pessoas não têm de ir ao café Joyeux para ser solidárias, têm de ir porque gostam de ir e estão a contribuir para uma causa.”
O serviço funciona, a equipa está motivada, e o modelo é super profissional. Ali há uma importância no rigor, no detalhe, no servir, “que é feito com o coração”. “Por isso é que os clientes gostam. Sentem isso, sentem a alegria.”
O grupo base para Cascais, com 12 funcionários, ficou logo fechado. Mas como funciona o processo de recrutamento? “Simplesmente, o que fazemos é anunciar as vagas disponíveis junto da nossa rede de parceiros sociais, que também trabalha com estes jovens e que quer ajudá-los a integrarem-se no mercado. Costumamos divulgar também através das nossas redes sociais. Depois, as famílias contactam-nos diretamente ou os parceiros apresentam-nos candidatos.”
Segue-se uma pré-seleção mediante entrevistas presenciais. A seguir, há um período de observação ou estágio que pode durar de um a três meses. O objetivo é perceber se estão à altura do desafio e se têm potencial para poderem crescer. “Aquilo que esperamos é que tenham capacidade para continuar e serem contratados ao fim desse tempo.”
Uma vez contratados, poderão ficar no Café por tempo indeterminado. “Se ao fim dos dois anos — tempo que dura a formação para serem considerados colaboradores polivalentes do setor da restauração — quiserem experimentar outros universos, vão estar, seguramente, mais preparados. Tanto em termos de competências técnicas, como, acima de tudo, sociais. E isso será ótimo. Mas se preferirem ficar, também ficamos muito felizes.”
Os únicos requisitos são que os concorrentes tenham mais de 18 anos e sejam Joyeux — que é como quem diz, “que tenham alegria dentro deles e gosto em fazerem parte de uma equipa.” “Se ainda não têm estratégias de vida quotidiana de autonomia, como andar de transportes, têm de estar disponíveis para isso, para aprenderem a serem autónomos.” Ali há pessoas que conseguem ler e escrever bem, outras menos bem, mas todas descobrem o seu percurso e o seu talento.
O Café Joyeux em Portugal
A ideia de criar um conceito do género — onde são contratadas na maioria pessoas com problemas cognitivos — já era antiga para Filipa Pinto Coelho. “Gostávamos de criar qualquer coisa muito ou praticamente igual à que o café Jouyex acabou por fazer. Para não reinventarmos a roda, e porque não há tempo a perder, convidámos a marca a vir para Portugal”, explicou em 2021 à NiT.
Em Santos, a associação VilacomVida já tinha desenvolvido um projeto de restauração inclusivo. “Aprendemos com a experiência que as coisas são mais simples do que o que podemos pensar.” Esteve aberto durante 18 meses, mas acabou por fechou em março de 2020. A experiência serviu para dar força ao que viria um ano e poucos meses mais tarde.
“Apresentei a ideia, a missão da associação e que gostávamos muito de importar o conceito [do Joyeux]. Consegui ter a oportunidade de apresentar esta ideia ao fundador da marca, Yann et Lydwine Bucaille, e as coisas aconteceram.”
Demoraram algum tempo até encontrarem o espaço ideal. Porém, o processo de montar todo o espaço foi muito mais rápido. Em apenas três semanas, as paredes do número 26 da Calçada da Estrela ganharam tons amarelos. O interior ficou com novas mesas e cadeiras; e o balcão e a área de cozinha — que fica no piso inferior — foram completamente renovados.
“Abrir este projeto significa mudar o olhar sobre a capacidade que existe nestas pessoas de conseguirem desempenhar uma profissão com qualidade e de poderem fazê-lo de forma apelativa para que os clientes venham mais, queiram ajudar e possam perceber que é possível fazer tudo. É possível trabalhar com qualidade, empregar estas pessoas também, dar-lhes um trabalho, e funcionar acima de tudo com uma equipa inclusiva.”
A equipa do Joyeux tinha, no início, nove pessoas com estas dificuldades — agora, o número mais do que duplicou. O staff divide-se em quatro áreas: cozinha, serviço de mesa, barista e caixa.
“Não queremos continuar com uma lógica do vamos lá ajudar os coitadinhos. Não tem nada a ver com isso. Queríamos um projeto que fosse apelativo e que, de facto, fosse bom ir até lá, porque se come bem, porque temos um bom ambiente, porque se ouve boa música, porque tem boa energia e porque estamos a contribuir para apoiar uma boa causa. Ao mesmo tempo, tudo isto nos transforma”, continua Filipa.
São Bento foi a primeira localização escolhida para conceito, que não ficou por ali. O segundo começou a funcionar, já em 2022, num edifício de uma empresa de seguros, também em Lisboa. Depois da abertura em Cascais, estão já a preparar a próxima. “Vamos abrir dia 11 de setembro um café-restaurante. Será um conceito híbrido, nas instalações da Cofidis, nas Torres de Lisboa, que terá uma porta aberta ao público”, revela. Para este projeto, recrutaram já sete jovens com dificuldade intelectual.
Filipa acredita que o sucesso do Joyeux deverá abrir mentalidades e criar mais oportunidades no País. “Pode fazer com que os patrões queiram contratar pessoas com dificuldades intelectuais e de desenvolvimento, não apenas por uma obrigação, mas porque se sentem entusiasmados. Queremos desmistificar estes preconceitos.” A decoração, essa, replica exatamente o modelo francês, seguindo as diretrizes do guião amarelo da marca.