O tempo que os pais dedicavam a uma pastelaria que tinham em Bicesse, na freguesia de Alcabideche, deu certeza a Daniel Estriga que não queria trabalhar na mesma área. O negócio familiar, com 40 anos, fez parte do seu crescimento e Daniel sabia o esforço e a dedicação necessárias quando se tem um projeto próprio. Porém, na altura de decidir que curso queria seguir, não conseguiu fugir das raízes. Hoje, com 36 anos, é um conceituado chef, responsável pela cozinha de dois espaços distintos no concelho de Cascais.
“A Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril era perto e inscrevi-me, sem expectativas. Não me identifiquei com a escola. Foi só quando fiz o meu primeiro estágio que comecei realmente a ganhar o gosto pela gastronomia. Estive na Bica do Sapato e aí sim, comecei a ter contacto com outras pessoas que já trabalhavam na área e deu-se o clique. Percebi que restauração era algo de que gostava”, conta Daniel à New in Cascais.
A azáfama de uma cozinha em ação foi o que o conquistou. “A dinâmica, o movimento, a adrenalina, a complexidade, davam-me muito gozo”, refere, indicando também alguns nomes que serviram como inspiração: “O Miguel Castro e Silva, o Bertílio Gomes foram importantes. Mas foi quando conheci o Paulo Morais, no meu segundo estágio, que tudo mudou. Estive três ou quatro anos a trabalhar com ele, ensinou-me muitas coisas. Considero-o o meu mentor de cozinha”, confessa.
A admiração pelo conceituado chef aumentou à medida que o observava a gerir o negócio, a gerir as equipas e ajudou-o a abrir algumas portas. “Fiz o meu percurso em alguns espaços durante cinco ou seis anos, até que decidi abrir o meu próprio negócio”, afirma.
Conceito
Foi em 2011 anos que, o então jovem chef, com apenas 23 anos, abriu o Conceito, um restaurante situado em Alcabideche, que muito o ajudou a evoluir, garante. Ali, o objetivo é oferecer sempre novas opções de pratos a quem o visita, apostando na criação de menus surpresa. Daniel confessa saber que nem toda a gente adora a ideia de se sentar à mesa sem poder escolher o que vai experimentar, mas convida os clientes a arriscar. No geral, não se arrependem.
“A nossa premissa é que o cliente venha, prove e regresse e, nesse sentido, possamos oferecer-lhe algo diferente de cada vez que cá vem. Pedimos sempre que faça a reserva com 48 horas de antecedência, pelo menos, e que nos indique quando foi feita a última reserva e em que nome, para não repetirmos os pratos”, conta o chef, que vai mantendo um registo detalhado do que vai sendo consumido e das restrições alimentares dos clientes.
Neste momento, há duas propostas de menus diferentes. Pode escolher o menu Essência, com ingredientes “da nossa cozinha”, numa refeição de cinco momentos (64€); e o Viagem, “mais completo, com produtos premium”, com sete momentos (82€).
À NiC, Daniel conta que há pessoas que têm alguns preconceitos em relação a certos alimentos, sem nunca terem experimentado, e que não estão abertos a provar ingredientes novos. Assim, uma das suas missões é também educar o palato dos clientes em relação a determinados sabores como, por exemplo, a beterraba.
“Por vezes, alguns alimentos não são cozinhados da maneira correta e as pessoas provam e acabam por não gostar. Por exemplo, tivemos uma cliente que dizia não gostar de cavala. E estávamos, nesse dia, a fazer sugestão de cavala. O marido aconselhou-a a experimentar. Acabou por provar e adorar e até pediu para ter esse prato novamente quando regressasse ao restaurante. E era algo que se tivesse num menu normal, nunca pediria”, sublinha.
O objetivo passa por dar ao cliente algo diferente do que possa expectar, sabendo, à a partida, que a surpresa é parte integrante da refeição. Daniel confessa que gosta de ir utilizando novos produtos e novos ingredientes, numa constante evolução dos pratos da sua autoria. “O bacalhau à Brás vai saindo sempre diferente, as ideias vão-se desenvolvendo. Estou sempre à procura de mais e melhor”, afirma.
Desde setembro, o Conceito tem a novidade de ter alguns pratos fora dos menus fixos. As propostas “Fora da carta” trazem pratos “com produtos o menos trabalhados possível, como por exemplo, a gamba da costa, deixamos que o produto brilhe de forma natural”, garante Daniel.
O restaurante conta com 20 lugares e uma cozinha aberta, onde os clientes podem observar o processo de confeção dos pratos. Só serve jantares, para que a componente criativa se mantenha intacta e com a máxima qualidade, garante o chef, que reforça a importância de um bom serviço. Ao seu lado tem a mulher, Vanessa, que o acompanha há oito anos no Conceito. “Reformulou todo o serviço, fez evoluir, e trouxe uma enorme estabilidade de back e front office”, aponta.
Em 2017 mudou-se para o Dubai para abrir um novo projeto. “Esta passagem além-fronteiras e numa realidade culturalmente bastante diferente trouxe uma nova perspetiva sobre a gestão de grandes equipas e operações mais complexas”, refere. Sempre aberto a novos desafios, em 2023 chegou mais um.
Art Restaurant
Daniel foi convidado a desenvolver o menu do novo restaurante Art, inserido no novíssimo Artsy Cascais, o boutique hotel de cinco estrelas que abriu em maio, no coração da vila. “O convite surgiu há cerca de um ano e meio. Sugeriram o meu nome porque um dos administradores do hotel já era meu cliente no Conceito, e comecei logo a trabalhar no projeto. A primeira ideia era puxar o Conceito para aquele espaço, mas isso acabou por cair, e decidimos criar algo novo”, conta.
No fundo, Daniel é o diretor gastronómico, já que há outro chef diariamente à frente da cozinha. Garante que foi um desafio pensar em todos os pormenores, desde o menu do restaurante ao room service. “Não é um espaço de comida portuguesa, é um sítio muito turístico, então tentámos criar uma carta com influências do mundo. Temos referências do mar, uma componentes muito vincado do menu, como peixes, marisco e bivalves, mas também elementos do Brasil, como tortelini com queijo e molho de moqueca”, revela.
No dining experience vai encontrar como entradas massa tenra, lingueirão e coentros (8€) ou gamba violeta hokkaido e beurre blanc (18€) e como pratos tortellini de caranguejo, moqueca e mexilhão (24€), bochecha de porco, beringela e couve (23€) ou peixe do dia, cogumelos, espinafres e jus de frango (26€).
Ali, muito do que é servido ao balcão, no bar, à mesa e até ao pequeno-almoço é caseiro. “Tentamos produzir o máximo dentro de casa. Um dos pontos fortes foi tentar criar um bom pequeno-almoço, menos standartizado, onde fazemos tudo, desde o pão aos croissants, à manteiga”, aponta. O hotel tem a opção de aproveitar um lazzy breakfast, ou seja, um pequeno-almoço servido até mais tarde, entre as 8 horas e o meio-dia. “Queremos dar essa tranquilidade ao cliente”, sublinha Daniel.
“Já no espaço do restaurante temos opções para partilhar e assim os clientes poderem experimentar dois ou três pratos”, aponta, garantindo que os espaços gastronómicos do hotel podem ser aproveitados também por quem não é hóspede. Com vários projetos entre mãos, Daniel garante que há um ingrediente que não pode faltar nos seus projetos: a qualidade.
“O hotel surgiu e achei um projeto interessante. É importante irmos agarrando as oportunidades que surgem, outras não, acho que temos que fazer aquilo com que nos identificamos e, para manter a qualidade, não podemos estar em todo o lado ao mesmo tempo”, refere Daniel. “Quero continuar com consistência, fazer mais. Temos objetivos diários e anuais. No futuro, não sabemos para onde vamos, mas sabemos como queremos ir”, conclui.
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