O Chefs on Fire é hoje considerado, por muitos, o maior festival gastronómico do País, mas tudo começou com um favor. Há alguns anos, Gonçalo Castel-Branco aceitou o desafio de cozinhar para os amigos na festa de aniversário da irmã. À partida, não havia nada que pudesse correr mal. Até começarem a surgir os verdadeiros desafios.
O atual produtor executivo do evento deu por si a cozinhar para 60 pessoas numa casa alentejana com uma cozinha demasiado pequena. Então, teve de improvisar: pendurou oito pernas de borrego, dez galinhas, dez pianos, duas barrigas e alguns ananases em árvores e fez uma fogueira. A partir daí, confecionou a carne e cerca de 25 quilos de vegetais, utilizando o calor do fogo à superfície.
Esta experiência levou-o a questionar-se como é que autênticos cozinheiros se comportariam em condições semelhantes. E foi assim que surgiu o conceito do Chefs on Fire. A primeira edição do festival aconteceu em 2018, na FIARTIL. Com o tempo, foi chegando a mais pessoas e a mais lugares.
No passado fim de semana, dias 20, 21 e 22 de setembro, o evento voltou a realizar-se no sítio do costume, mas agora prepara-se para chegar, pela primeira vez, a outros países. A edição inaugural em Madrid acontece entre os dias 5 e 6 de outubro, no Real Jardín Botánico Alfonso XII.
A New in Cascais esteve à conversa com Gonçalo Castel-Branco, de 44 anos, que fez um balanço do evento. Entre inovações e situações curiosas, ficámos a saber alguns detalhes interessantes sobre o Chefs on Fire de Cascais 2024.
Como é que descreveria, numa frase, o Chefs on Fire deste ano?
Foi o melhor de sempre.
O que é que correu assim tão bem para ser o melhor de sempre?
Todos os anos, tentamos melhorar e trabalhamos para isso. Acho que este ano tentámos fazer uma série de inovações, nomeadamente na navegabilidade do espaço e no controlo das doses, que nos permitiram manter a mesma qualidade na comida, com menos desperdício e com uma experiência mais confortável.
Que inovações foram essas?
Em primeiro lugar, o bilhete eletrónico. Pela primeira vez, num festival, os visitantes passaram a ter, em tempo real, a informação dos lugares sentados disponíveis em todo o recinto. As pessoas conseguiam, no seu bilhete, saber exatamente onde é que se podiam sentar, onde é que havia cadeiras vazias. E também o controlo do número de doses disponíveis em cada sítio, para poder ir acompanhando e priorizando aquelas que fossem esgotar mais cedo. Acabámos por desenvolver dois modelos tecnológicos novos, criados especificamente para o Chefs on Fire, que ajudaram a melhorar muito a experiência.
Quantas doses foram cozinhadas?
Sei dizer que servimos, ao longo de três dias, mais de 35 mil doses de comida a 150 gramas cada dose.
Quais é que foram os pratos mais pedidos ou servidos?
Do lado dos chefs, diria que o do Francesco Ogliari, com a pasta alla assassina, e a fregula do João Magalhães.
Quais foram os fornecedores da comida?
Trabalhamos com a Makro diretamente, portanto todos os fornecedores são via Makro, a não ser em alguns casos, que são produtos mais particulares.
Havia mais chefs este ano em relação ao ano passado?
Eu diria que não, que tivemos o mesmo número de chefs habituais.
Na sua opinião, o que é que correu pior?
Durante a semana, ver o País a ter dificuldade com os fogos, enquanto nós tínhamos um festival que se chama Chefs on Fire, naturalmente causou-nos alguma preocupação e tentámos encontrar a melhor forma de partilhar com o público a importância do festival, num momento que é sensível sobre esta temática. Diria que esse foi o desafio do ano, foi como partilhar com os clientes o nosso processo de decisão, como envolvê-los na recolha de fundos que fizemos e que angariou mais de cinco mil euros para os Bombeiros de Cascais e do Estoril, acho que essa foi a maior dificuldade.
Houve algum episódio engraçado que queira partilhar?
Acho que tivemos reações muito interessantes. Este ano, lançámos a campanha “Everybody knows your name”. E aí celebrámos um bocadinho os nossos super fãs e os seus rituais, com um conjunto de placas que estavam espalhadas no evento e que, no fundo, celebravam pequenos momentos. Tínhamos, por exemplo, o posto 54, que é a mesa onde se juntam normalmente os chefs, e o frigorífico secreto do Zé, que é um cliente que traz vinhos de casa e que os guarda num frigorífico secreto. Várias pessoas acabaram por roubar a sua própria placa, como é natural, no fim do evento. O que elas não sabiam é que as placas na parte de trás diziam “esta placa foi roubada, não sabemos por quem”, mas foi por isso que ela foi desenhada e isso causou sempre alguma graça junto das pessoas que estavam a roubá-las.
Houve mais portugueses ou mais estrangeiros a comprar bilhetes?
Não temos ainda esses números, demoramos uns dias a processá-los, mas diria que continuamos com uma proporção de 50/50 ou 60/40 por cento para o lado dos portugueses.
Qual foi o feedback por parte dos chefs?
Temos um orgulho de todos os anos ter este feedback, de que é o melhor festival em Portugal. E que é mais do que o melhor festival, é o momento gastronómico do ano em que eles partilham, passam um tempo com os amigos e com a família, em que, apesar de ser uma coisa muito cansativa, é também muito bonita, em que eles se sentem muito acarinhados e muito bem tratados. E acho que também é importante sublinhar que é um trabalho de uma equipa muito grande, sendo que é importante destacar que foi o último ano do nosso chef executivo, o Manel Lebeaut. E ele é uma parte absolutamente integral, quer do Chefs on Fire em global, quer do tratamento que conseguimos fazer com os chefs em particular. Portanto, muitos dos elogios que os chefs nos fazem devem ser, na verdade, atribuídos ao fantástico trabalho do Manel Liebaut, que terminou este ano e passou a pasta à nossa nova chef executiva, que fará de certeza o mesmo trabalho com a mesma qualidade, que é a chef Marisa Landeiro.
Houve algum feedback particular, alguma mensagem que tenha recebido que gostasse de destacar?
Tenho imensa dificuldade em escolher uma por uma razão: tenho a sorte enorme de as pessoas acabarem a personalizar em mim o que, na realidade, é um trabalho de uma equipa de dezenas de pessoas. E tenho a felicidade de passar o dia inteiro, quer durante o evento, quer depois, a receber mensagens muito bonitas de clientes, de chefs, de parceiros, de patrocinadores. Logo, não consigo escolher uma, mas é só porque tenho a sorte de receber dezenas. Mas normalmente faço questão de sublinhar que sou apenas um mensageiro que vou recebê-las e passá-las às pessoas certas, que são a minha equipa, que fazem um trabalho formidável. Não tenho uma, tenho dezenas, todas elas que me emocionam muito e que espero merecer todos os anos.
O próximo festival do Chefs on Fire já tem datas confirmadas. O que nos pode dizer sobre a edição de 2025?
Para o próximo ano, em Cascais, vamos ter muitas novidades. Eu diria que vem aí um Chefs on Fire 2.0, mas que, com a exceção de novidade que é pública, de que vamos voltar aos dois dias em vez de três, ainda não há mais nenhuma que possa partilhar. A única coisa que posso dizer é: vêm aí muitas novidades e talvez a maior revolução que fizemos até hoje nos anos de Chefs on Fire vai ser no próximo ano.
Já começaram a trabalhar na lista dos cozinheiros para o próximo ano?
Já temos o modelo e todas as alterações que queremos implementar completamente desenhadas. Em relação à escolha dos cozinheiros, ainda não. Eu começo o trabalho agora e termino normalmente em fevereiro. Até lá, vou provar comida dos chefs do País inteiro e depois, mais próximo da data, faço uma seleção final.
Esperava que o Chefs on Fire fosse chegar ao ponto em que se encontra hoje?
Nem por sombras, estaria a mentir se dissesse que sim. Normalmente, na minha carreira, espero que as coisas sejam bem feitas e que façam as pessoas felizes. Agora, se elas vão ter sucesso, se vão crescer e onde é que elas vão chegar, isso tem sido sempre mais ou menos uma surpresa. Normalmente, nunca são as coisas que nós achamos que vão resultar que funcionam, são aquelas que fazemos sem expectativa. O Chefs on Fire é exatamente esse caso. Criei o conceito, porque achava que havia espaço no mercado para um festival boutique e considerei que a gastronomia portuguesa precisava de um palco com outras características daquelas que existiam mas, na realidade, a minha ambição era apenas essa.
Qual é a sensação de levar o festival para fora de Portugal e chegar a Espanha?
Por um lado, imenso orgulho, por outro lado, medo. Eu li uma vez que o “impostor syndrome” é o que nós sentimos cada vez que subimos para o degrau seguinte na nossa progressão, é a reação natural. Acho que qualquer pessoa que trabalha em criatividade sente isso. Dito isto, à medida que uma pessoa fica confortável, acalma, e depois está na altura de dar o passo seguinte. Agora que o festival já é consagrado em Portugal, de repente está na hora de começar tudo novo e provar tudo outra vez, num país onde ninguém sabe quem sou e o que é que faço. E portanto é um grande motivo de orgulho, é um palco e uma oportunidade enorme mas, obviamente, se não tivesse um bocadinho de medo, seria estranho.
A organização já está a pensar em alargar para mais lugares no futuro?
Sim, sem dúvida, Nós estamos a trabalhar ativamente em mais três ou quatro países. O nosso plano, que não sei se será possível, mas vamos ver, é tentar todos os anos ter um país novo.
E já pode revelar quais os países em que está a trabalhar?
Neste momento, temos, pelo menos, quatro em pipeline ativo. E, consoante o desenvolvimento, a procura do mercado e a resposta de patrocinadores locais, uns podem tornar-se mais urgentes do que outros. Portanto, neste momento ainda não consigo dizer, mas posso revelar que queremos chegar a países na Ásia, outros países europeus, países na América do Sul e na América do Norte.
Carregue na galeria para ver algumas imagens dos três dias do festival Chefs on Fire.