Um restaurante, um eco-lounge, uma segunda casa para muitos clientes. Para compreender em pleno tudo o que o Palaphita representa, terá mesmo de ir até lá. Envolto numa mística especial, tem a capacidade de abrandar os relógios e transportar-nos para outro tempo e espaço. Rodeado por natureza, com o mar ao fundo, afasta-nos do movimento urbano, mesmo estando tão perto do centro de Cascais, na Casa da Guia.
Cativante e acolhedor, o espaço cultiva as raízes amazónicas no menu, no ambiente e até no nome — relacionado com sistemas de construção, utilizados em habitações criadas sobre troncos ou pilares, comuns em áreas alagadiças. O Palaphita foi inaugurado no final de 2020 e rapidamente se tornou num dos spots mais concorridos da zona. Por ser um espaço ao ar livre, ganha um encanto especial nos meses quentes, mas atrai clientes em qualquer altura do ano.
Mário de Andrade é o fundador deste conceito que já existia no Brasil, como bar, e Natacha Fink, sua irmã, é a chef executiva do espaço, responsável pela parte criativa da cozinha e também pela gestão operacional. Deixou para trás, no Brasil, o restaurante Espírito Santa, onde já servia pratos em homenagem às suas raízes. Nasceu em Manaus, no estado do Amazonas e, hoje, a viver no Monte Estoril, é a comida que a faz regressar à terra natal.
No entanto, antes de se dedicar à área da gastronomia, foi no jornalismo que começou a sua carreira. E curiosamente foi a fazer reportagens pela Amazónia que o gosto pela cozinha foi crescendo. À New in Cascais, Natacha conta o seu percurso profissional, como foi a vinda para Portugal e qual a filosofia que acredita ser a chave do sucesso no Palaphita.
Como é aconteceu esta mudança entre ser jornalista e tornar-se chef?
A minha família já tinha um pé no jornalismo. O meu avô tinha o sonho de ter um jornal e acabou por concretizá-lo. O meu pai também era jornalista, foi diretor desse jornal, lá em Manaus, e eu cresci indo com ele de madrugada, ver o jornal começar a rodar, gostava de acompanhar, então já tinha essa coisa do jornalismo muito forte em mim. Acabou por ser a minha primeira escolha profissional. Trabalhei durante 11 anos como jornalista, em televisão. Alguns deles na TV Cultura, lá do Amazonas, onde fazia uma série de documentários que abordavam aspetos variados da cultura amazonense. Em algum momento, a série entrou no mundo da gastronomia e interessei-me, porque já gostava de cozinhar. Era uma coisa de família, de reunir todo o mundo na cozinha. Mas quando eu comecei a fazer esse trabalho para a televisão, vi que não tinha noções nenhumas. Viajava muito pelo interior do Amazonas e via as pessoas fazerem aquela comida de pegar o peixe, limpá-lo, fazer uma caldeirada com três ingredientes, sabe? Uma coisa muito simples, rústica, mas em que o resultado era incrível. Comecei a interessar-me por conhecer um pouco mais os produtos. Por exemplo, o universo da mandioca é fantástico, é um produto que resulta em muitos mais. Muito versátil, muito rico. Conheci frutas que eu não sabia que existiam. Aí isso foi-me encantando. Tinha muita vontade de fazer comida, de cozinhar, de experimentar aquilo que eu via. O meu sogro tinha um barco e íamos pescar de vez em quando. Era eu que arranjava o peixe e achava aquilo fascinante, essa ideia de poder transformar o alimento. Fui gostando cada vez mais. Mas ainda de uma forma básica. Não tinha a menor intenção de largar a minha profissão. Só que os meus amigos provavam a minha comida e falavam: ‘Você cozinha muito, devia fazer isso profissionalmente’.
Acabou por abrir um restaurante em Manaus.
Os meus irmãos tinham-se mudado para o Rio de Janeiro, onde abriram uma delicatessen. Quando ia lá passar férias, ficava encantada com o trabalho deles e pensava que talvez fosse gostar de trabalhar profissionalmente com gastronomia e aquilo foi-me dividindo. Aí eu abri um negócio com uma amiga, mas ainda trabalhava em televisão. O projeto chamava-se Casa dos Sabores no Rio de Janeiro e, em Manaus, era Bons Sabores. Aí a minha amiga teve que parar de trabalhar e fiquei com o negócio, felicíssima, adorava aquilo. Então, foi uma coisa gradual, acabei por pedir demissão da televisão, mas continuei a dar aulas na universidade, que gostava muito também. Mas chegou uma hora que nem isso mais importava. Resolvi realmente dedicar-me e focar-me na gastronomia. Migrei para um restaurante, mas a gestão não correu bem. Então decidi ir para o Rio de Janeiro e fui fazer faculdade de gastronomia, no final dos anos 90. Em 2004 abri o meu restaurante, o Espírito Santa. Durou 16 anos e fechei na pandemia. Porque já tinha a ideia de vir para Portugal para abrir o Palaphita aqui, com o meu irmão Mário, que tinha já o conceito lá, já estava ligado às raízes da Amazónia.
Veio para Portugal em 2020 e abriram o Palaphita nesse ano. Porque escolheram Cascais?
Em 2007 já tinha passado um tempo aqui em Cascais, porque o meu marido veio fazer um documentário em Portugal e teve que ficar a morar um ano aqui. Nesse período, descobri Cascais e foi um lugar que me impactou muito. Então, sempre fiquei com a ideia de que se um dia viesse morar para a Europa, tinha de ser em Cascais. Quando o meu irmão Mário teve a ideia de trazer o Palaphita, tivemos um amigo que falou ‘conheço um lugar ótimo, é a cara do Palahphita’. O Mário veio conhecer e achou que tinha tudo a ver. A minha ideia inicialmente era manter o restaurante no Rio, treinar uma equipa aqui e vir cá umas quatro vezes por ano. Mas, com a pandemia, os planos mudaram. Cheguei em julho e abrimos o espaço a 31 de outubro de 2020, no Dia das Bruxas, começou bem.
Como foi montar aqui a carta para o Palafita em Portugal?
Já tinha uma ideia de como era o mercado da restauração e achava que não dava para repetir um modelo brasileiro aqui. Na época, havia muitas restrições, mas podia ir aos supermercados e comecei a pesquisar produtos, verifiquei tudo o que havia cá de produtos brasileiros que eu pudesse usar, o que era seguro, enfim. E comecei a experimentar alguns produtos portugueses também. E aí a ideia foi construir um menu que tivesse as características do Palaphita.
Que características são essas?
Somos um espaço descontraído, então, as propostas vão ser pratos para se comer com informalidade. Muitas coisas de picar, que as pessoas possam pegar com a mão, que se possa partilhar, ou então pratos que se possam comer de forma descontraída, sem a formalidade de estar à mesa, por exemplo, a segurar num potinho. Temos muito poucas coisas servidas em prato mesmo. Há um lombo, um polvo grelhado e pouco mais. A maioria dos pratos comem-se de uma maneira descontraída. Além disso, tem que ter um pouco da tradição da nossa família, porque isso foi o que nos conduziu sempre na gastronomia. Nós somos quatro irmãos e todos trabalhamos nesta área. Tinha que ter um pouco dessa tradição familiar e valorizar os produtos locais, os produtos portugueses, não só os produtos de origem, não é? Apostamos nos ícones da gastronomia portuguesa, mas também nas hortícolas da região, quisemos incorporar isso. Também comprámos uma churrasqueira Weber, a churrasqueira original do Palaphita de Cascais.
Sentiu que os clientes estiveram logo abertos às novidades e sabores do Palaphita?
Percebemos que os portugueses estavam muito abertos a novas experiências gastronómicas, a propostas diferentes. Por exemplo, até hoje o que acompanha a nossa batata frita é uma maionese de açaí. E as pessoas estranhavam, mas provavam e adoravam. Tive sorte, podia ter escolhido outro produto, mas escolhi o açaí, que já é muito popular em Portugal. Todos os nossos molhos são caseiros, fazemos todos de raiz, nada é industrializado. Por outro lado, aconteceu uma coisa engraçada. No Brasil, do pobre ao rico, todos consideram a sardinha uma iguaria. E lá, os portugueses tinham fama de comer sanduíche de sardinha, mas usando a sardinha em lata. Percebi aqui que os portugueses não consomem isso, mas lá tinha essa referência, porque os meus avós tinham uns amigos portugueses, que comiam sardinha em lata. E a senhora cozinhava, numa frigideira, uns ovos mexidos com farinha de mandioca e a sardinha em lata. Aquilo era uma referência para mim. Aí, eu fiz uma sardinha assim, com uma farofa especial, com castanha, com alho. E só os clientes brasileiros é que comiam, os portugueses nem tentavam.
Houve alguma mistura que fez com produtos portugueses que a surpreendeu?
A primeira vez que misturei bacalhau com queijo da Serra, achei ótimo. Então fiz um prato que não é um pastel, é uma espécie de arancini, é o nosso crocante de bacalhau, com queijo da serra, bacalhau e arroz. Mas, no geral, os pratos têm muito a identidade da Amazónia.
Quais são os petiscos que destaca?
Temos um pastel de vatapá, que é um prato típico. No norte é um pouco diferente, mas eu faço um vatapá que não tem os frutos secos, não tem castanha nem gengibre. É um vatapá mais suave, um creme mais leve, que está recheado. Temos também o dadinho de tapioca, que nós chamamos de tapique. É uma coisa muito popular, tipicamente da Amazónia, usamos a tapioca em flocos, que aqui tem em todos os supermercados. Porque os brasileiros consomem e os portugueses já estão consumindo também. Temos uma sobremesa, que é como se fosse um cuscuz, que eu chamo de quadradinho de tapioca recheado com goiabada, é muito bom. Uso pouco peixe porque a nossa estrutura não me permite trabalhar muito com este ingrediente, mas consigo trabalhar bem com polvo, por exemplo. Aí você vai dizer que polvo não tem nada a ver com a Amazónia. Não tem. Mas o meu polvo tem dois momentos, o de cozinhar e o de finalizar para servir, onde uso o que chamo de pesto amazónico. Uso salsa e manjericão, aquele de folha larga, que é muito parecido com o nosso da Amazónia. E castanha do Pará também. E sirvo com chutney de cupuaçu, com chutney de cajá, que funciona bem. Tenho maionese de castanha também, tenho mel picante, mel de caju, que não tem nada a ver com a castanha de caju. Então todos esses elementos vou adicionando para dar uma cor amazónica aos pratos.
Hoje as pessoas já vêm confiantes de que vão comer bem no Palaphita. Conseguiram fidelizar os clientes.
No início, foi muito importante para as pessoas confiarem na nossa gastronomia. Às vezes você mata um prato pela forma como o descreve ou pelo título que coloca no menu. Tínhamos punheta de bacalhau, mas foi uma polémica. E tivemos que nos ir adaptando. Nos pratos principais, por exemplo, temos sempre camarão, muito baseado na nossa tradição. Também gostamos muito de porco preto e temos um estufadinho, que é acompanhado da batata doce portuguesa, que é maravilhosa. Então, o modo de fazer este cachaço, é igual ao que a minha família sempre fez, é o nosso pernil de porco de fim de ano. É quase um ritual deixá-lo na panela a cozinhar. Temos moqueca vegana também, para quem não come carne, com banana, cogumelos, legumes. Temos sempre saladas e sanduíches também, que fazemos com bolo de caco que é uma paixão para mim.
Com uma agenda recheada de eventos, que ajuda a dinamizar o espaço, o Palaphita reúne boa comida, bebida, música, bom ambiente e boa disposição, convidando os clientes a chegar e a ficar o tempo que quiserem. Aliás, Natacha sabe que, muitas vezes, uma ida ao Palaphita é o programa de fim de semana de famílias e grupos de amigos. Quer que ali se sintam bem e à vontade para aproveitar o espaço durante várias horas, “por isso, para algumas mesas com grupos, nunca coloco as reservas com menos de quatro horas”, conta.
O espaço tem vindo a apostar, cada vez mais, no conforto dos clientes. Este inverno, por exemplo, foram criadas várias tendas cobertas, com mantas e aquecedores. Agora, mesmo com bom tempo, em algumas noites mais frescas estes recantos são muito requisitados.
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