PARA CELEBRAR OS 50 ANOS DA REVOLUÇÃO, TODOS OS ARTIGOS DA NEW IN CASCAIS DE HOJE FORAM ESCRITOS COMO SE ESTIVÉSSEMOS NO DIA 25 DE ABRIL DE 1974. ALGUNS EXCERTOS DOS TEXTOS FORAM CENSURADOS PELA PIDE.

comida

Procópio: o glamouroso bar onde políticos e artistas vão comer tostas de pickles

O estilo dos estabelecimentos parisienses mora agora em Lisboa, perto do jardim das Amoreiras. Tudo ao som do piano de Mário Cesariny.
Abriu em 1972.

No alto da escadaria, por trás do Jardim das Amoreiras, esconde-se um pequeno bar que os clientes andam a segredar aos amigos como o melhor da cidade. Com paredes “vermelho cor de sangue de boi”, é um espaço soturno, intimista e acolhedor. Serve tostas com pickles para acompanhar as tertúlias, as cervejas, whiskys e gins. E é, como seria esperado, muito bem frequentado. Tudo isto já lhe vale o cognome do “bar da moda”.

O Procópio tem sido um ponto de viragem na noite lisboeta, onde os portugueses são convidados a viver como os burgueses franceses. Escritores e artistas gostam de se refugiar nos glamourosos sofás vermelhos a contemplar e cultivar a criatividade. Os pintores vão para lá rabiscar, à meia luz, o espaço decorado à semelhança de um antigo bar parisiense, enquanto outros clientes arquitetam outro tipo de ideias até às altas horas da madrugada.

Os donos não são novos nestas andanças. Com apenas 30 anos, Alice e Luís Pinto Coelho abriram o Face da Lua, um bar alternativo para o tempo, onde poetas e artistas se juntavam para dançar e ter um vislumbre do que poderia ser a liberdade.

“Era um estrondo”, descrevem. Mas tiveram de mudar-se para outra morada, após uma “retumbante falência”. E foi aí, a 5 de maio de 1972, que abriram, numa loja que tinha funcionado como carvoeiro, o Procópio. Encheram o armazém com paletes de JB, contrataram Mário Cesariny para tocar ao piano, reuniram os amigos e deram início à festa que ofereceu um vislumbre daquilo que estavam prontos para mostrar à sociedade burguesa.

Um bar onde apetece estar.

Homens, mulheres (sim, admire-se), militares, políticos e artistas passaram a juntar-se neste bar decorado com berloques, sofás e fotografias para conversar e passar um bom bocado. No ar paira um sedutor cheiro a tabaco e a whisky. “É a bebida preferida dos nossos clientes”, conta Maria João Coelho, filha dos proprietários que adora estar atrás do balcão a apreciar o ambiente.

Alice Pinto Coelho deixou a vida caseira em Cascais para se dedicar, com o marido Luís Pinto Coelho, ao negócio. O facto de a jovem mulher estar lá todas as noites deu uma segurança a outras senhoras para lá passarem alguns serões com amigas. “Sim, temos clientes que se aventuram a vir ao Procópio para se divertirem, sem medo”, dizem orgulhosos.

O espaço foi decorado pelo proprietário com objetos comprados na Feira da Ladra ou nas lojas da rua de São Bento. Uma das cortinas de vidro, por exemplo, foi feita numa tarde de domingo, com a família à volta da mesa. “Lavámos os pequenos pedaços de vidro comprados por tuta e meia na Feira da Ladra. Limpos, pintados e montados, deram origem a uma cortina de vidro.”

O fascínio por estatuetas femininas é óbvio. Bustos, peças de corpo inteiro, enfim. Há de tudo por aqui. “Várias dessas estatuetas foram transformadas em candeeiros que produzem a famosa luz dourada do bar e que criam um ambiente único, à volta das mesas”, conta Maria João Coelho.

Foi também naquelas mesas de madeiras que tantos capitães, entre copos e pipocas temperadas com sal e pimenta, se juntaram nos últimos meses. Discutiram-se muitas ideologias políticas, táticas de ataque, ou assuntos mais corriqueiros. Temas mais enrubescidos foram também discutidos por general Ramalho Eanes, Francisco Sá Carneiro e Aventino Teixeira que por ali passam para beber o seu whisky com gelo.

Com tantas reuniões e diversão à mistura, o Procópio tornou-se no bar da cidade predileto também dos jornalistas. “Gostam de cá vir ouvir os debates acesos. Depois é vê-los à caça do furo e irem a correr para o telefone na saleta ao lado do balcão, acotovelando-se para ver quem liga primeiro à redação para dar a notícia”, conta. “É uma dinâmica interessante para quem está de fora”, admite Maria João Coelho.

Independentemente da profissão, ou cargo, o Procópio é uma porta aberta para quem gostar de um bom serão, num ambiente intimista, com boas sandes de pickles. Os preços rondam os 6 escudos para as sanduíches e os 8 para um copo de whisky, a bebida mais servida no bar. “Temos sempre o armazém cheio de stock para que nunca falte”, garantem.

As estatuetas que o decorador adora.

OUTROS ARTIGOS