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As “camadas do tempo” da casa-jardim no Estoril que nasceu numa propriedade dos anos 70

A remodelação contou com um dos arquitetos originais. Outro dos destaques da moradia é o pavimento bicentenário.
A piscina é um dos destaques.

“Quando conhecemos algo, aprendemos a valorizá-lo.” Antes de iniciar um projeto, o arquiteto José Adrião investiga a origem da obra. Através de pesquisas, entrevistas ou análise de documentos, compreende o que existia anteriormente para decidir os próximos passos.

Quando foi contactado por um casal, que tinha comprado uma casa dos anos 70, não teve dúvidas. “Quem melhor para nos explicar a ideia do que um dos responsáveis?”, explica. Desde o início, teve em conta a opinião de José Bruschy, que desenvolveu o desenho original com Virgílio Leal da Costa.

“Um neto dele tinha sido meu aluno, na Universidade de Évora, então fomos entrevistar o avô”, recorda. “Explicou-nos as bases do desenho, mas não acompanhou o processo da construção. Tinha ido para Moçambique e houve acertos durante essa fase que não acompanhou.”

A partir do passado, os clientes assistiram ao renascer da Casa de Santo António, no Estoril, cinco décadas após ter sigo erguida. Uma moradia familiar de 484 metros quadrados ganhou vida através da junção de linhas modernas à traça original.

“Um dos elementos mais interessantes da casa, além da forma arquitetónica, era o pavimento de pedra. No início, não percebíamos o que estava ali”, diz. “O que o José [Bruschi] nos disse foi que tinha sido adquirido pelo Virgílio após a demolição de um convento.”

Com quase dois séculos, este piso é mais antigo do que a estrutura. Uma das premissas iniciais foi mantê-lo, não só porque “dava imenso caráter”, sublinha, mas porque motivou o atelier a criar uma abertura para relacionar o interior com o exterior — com as “camadas do tempo” sempre presentes.

O pavimento pertenceu a um convento.

A reforma no exterior da casa

Quem entra na moradia, depara-se com um átrio de entrada e pode passar diretamente para o jardim. “Esta relação com o pátio foi uma descoberta, porque é uma muito fechada para norte”, explica sobre a reforma no exterior, com a ajuda das arquitetas paisagistas do estúdio.

Para criarem esta ideia de “casa-jardim exótica”, os arquitetos transferiram a piscina existente para uma zona inferior do terreno, ficando invisível para quem está no interior. “Como é usada durante seis meses por ano, achámos que seria interessante libertar a parte da frente da casa”, sublinha José.

O passo seguinte foi criar uma pérgula, coberta de trepadeiras, que “desenha o pátio interno da casa” e faz de sombra. Esta área foi pensada como uma zona de estar, com uma vista privilegiada para o por do sol. “Parece um detalhe, mas é um elemento muito importante por cria uma zona de claustro.”

Ton sur ton

No interior, as alterações passaram por alguns certos técnicos — a nível de canalização, aquecimento ou luz — para que as divisões tivessem algum conforto. “Não estava adequada aos padrões de hoje. Como não tinha isolamento térmico, era muito fria no inverno e muito quente no verão.”

“Os vãos abriram-se mais, as caixilharias ficaram em destaque e os grandes janelões encolheram-se para dentro”, aponta. No verão, a casa fica aberta para o exterior e as divisões abrem-se umas para as outras.

A cozinha e as casas de banho também são novas e acompanham a paleta de cores predominante. A par da adaptação das telhas pretas originais para brancas, os tons brancos que pintam as paredes e o teto em tonalidades claros, ton sur ton, de modo a captar o máximo de luz do exterior para o interior.

“Não gostamos de fazer espaços que se tornem os protagonistas. O importante é que, quem viva ali, possa circular entre as áreas de forma fluida e natural”, sublinha. Para facilitar a transição, também o programa se manteve idêntico ao projeto original, de 1972. Os quartos e a área social — sala de estar e cozinha — surgem no piso térreo, enquanto no piso superior há apenas uma suite. Em baixo, ampliaram a área para um atelier para trabalho.

A filosofia do atelier assenta em não fazer juízos de valor em relação à pré-existência de uma obra, encarando-a como uma parte importante do processo. “Muitas vezes não pensamos se é bonita ou feia, trabalhamos em equipa para perceber como é que podem ser aproveitadas.”

E, se muitos arquitetos acreditam que um projeto original não deve sofrer intervenções, José Discorda. “Trabalhamos sobre camadas e temos consciência que não vamos ser as últimas pessoas a trabalhar ali. Daqui a 20 ou 30 anos, mais alguém vai atualizar a casa. Tal como nós o fizemos.”

Carregue na galeria para ver mais imagens da Casa de Santo António do fotógrafo Fernando Guerra.

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