“Certo dia, cheguei à escola e uma miúda chamada Inês veio dar-me uns apontamentos feitos por ela. Eu não percebi o motivo da oferta, até que ela me explicou que tinha passado a noite toda a escrever frases em criolo, traduzidas para português, para que eu pudesse aprender e assim conseguisse comunicar com as irmãs dela”, conta Rita Pereira.
A portuguesa, de 25 anos, decidiu aventurar-se pelas viagens a solo, apenas com uma mochila às costas. Mas aquilo que começou de forma lúdica, rapidamente tomou outro rumo: o de ajudar os outros, em missões de voluntariado. Tudo começou em São Tomé e Princípe, o primeiro local para onde viajou sem companhia e onde fez uma missão. Seguiu-se a Guiné-Bissau, em 2022, e foi aí que quis trazer o voluntariado para Portugal — sobretudo devido a histórias emotivas como a de Inês.
Agora, o plano de Rita Pereira concretizou-se, materializado através da Kode Sabi. “A marca surgiu porque senti que havia uma necessidade de continuar o que fiz na Guiné”, conta. A primeira expressão significa “irmão mais novo”, em criolo, e a segunda “fixe”. Mas este irmão é diferente dos outros. Trata-se de uma nova marca de roupa, feita com tecidos africanos tradicionais e manufaturados pelas pessoas da terra.
“Isto acaba por ser uma constante flutuação de emoções — as crianças recebem voluntários a toda a hora e estes tornam-se um porto de abrigo, mas depois há uma quebra quando vão embora e volta tudo à fase inicial”, afirma. Tendo plena consciência de que não vai mudar o mundo, queria pelo menos manter a ajuda de forma mais consolidada e contínua. “Comecei a pensar sobre o que poderia fazer para continuar a acompanhá-los”.
Ao contrário do que sentiu em São Tomé, na Guiné ficou “um pouco chocada”. “A realidade é muito dura, muito diferente da nossa e sofre ainda muito o preconceito de ser um país muito perigoso e pobre, levando a que haja menos gente a querer fazer voluntariado no zona”.
Dado o contexto, Rita soube desde logo que o objetivo seria dar o pequeno-almoço às crianças da escola primária Humberto Braima Sambú. Além disso, “é uma forma de ajudar a economia local ao utilizar materiais da região”, acabando por não dar azo a “apropriações dos bens”, assegura a jovem.
Rita assistiu a crianças do primeiro ao quarto ano que ficavam uma manhã inteira sem comer, porque a família não tinha possibilidades de lhes dar uma refeição ou um simples lanche nessa altura do dia. “Isto contribui para um fraco rendimento escolar e consequente abandono escolar. A longo prazo, torna-se cada vez mais difícil sair deste ciclo de pobreza porque a única forma de o combater é através da educação”.
Assim, precisamente para lutar contra esta tendência, Rita pensou em lançar uma coleção de T-shirts de várias cores, em tons pastel, para crianças e adultos, de modo a que possa ser uma marca familiar. Com os retalhos que sobrarem, vai ainda forrar cadernos, também para venda, evitando qualquer tipo de desperdício.
A jovem aproveita as viagens a África para trazer sempre os produtos necessários ou pede a amigos e colegas da própria escola que tragam tudo o que for possível. Outras vezes, faz as encomendas através de uma transportadora, e em cerca de dois dias tem tudo pronto em Portugal para ser transformado.
“Nesta fase inicial a confeção vai ser feita em Portugal, mas no futuro quero que seja mesmo lá, na Guiné.” Ainda assim, a voluntária tenta empregar costureiras e costureiros guineenses que migraram para cá e não conseguem arranjar emprego. Além disso, optou por estender o apoio a idosos em centros de dia, onde “coser um bolso numa T-shirt pode ser uma tarefa muito simples, mas para quem passa o dia inteiro num lar, pode fazer a diferença”, conta.
Em suma, 10 por cento do valor de cada peça servirá para financiar o pequeno-almoço das crianças e o restante para as despesas essenciais, até que seja possível aumentar a percentagem dedicada ao financiamento.
Rita já viajou pela Austrália, Japão, Sri Lanka, Índia, Filipinas e muito mais. “Mas a Guiné tem um sítio especial no meu coração, não sei explicar”, conta com alguma comoção na voz. No entanto, a jovem admite que foi difícil ao início. “Ninguém lá falava português, por exemplo, falavam todos criolo, então era complicado comunicar com eles”. Embora o objetivo da equipa fosse ensinar a língua portuguesa, acabavam todos a aprender a falar criolo. Também por isso, uma das suas motivações é angariar livros e materiais que possam ser doados à escola onde esteve, para contrariar o decréscimo do português na região.
Dadas as dificuldades na comunicação, os métodos de aprendizagem eram muito mais lúdicos do que técnicos. “Fazíamos vários jogos, pinturas — não existia a parte chata das aulas mais tradicionais”. Talvez por isso se tenha desenvolvido uma relação muito mais próxima entre os miúdos os voluntários, que ia bem além das fronteiras da escola. “Muitas vezes, eles pediam-me que fosse conhecer a tia, a mãe ou a irmã”.
A jovem sempre procurou enaltecer a cultura local, mostrando como era bom existirem características próprias de cada povo e país. “Muitas vezes queixavam-se de ter de fazer tranças e rastas, porque era incómodo e magoava”, conta. “Nesses momentos, nós incentivávamos a que o fizessem, porque era um traço distinto que os caracterizava, e que nós, ocidentais, nunca conseguiríamos fazer daquela forma”. E claro, também a ideia de que é possível ter sonhos era uma motivação constante. “Perguntávamos o que gostavam de ser quando fossem grandes”.
Depois de toda esta experiência, não faria sentido dar outro nome à marca. Kode, porque a jovem se sentiu rodeada de “irmãos mais novos”, e “sabi” porque foi das primeiras palavras que lhe ensinaram: “Tens de dizer a Guiné é sabi, Rita”. Ou seja, a Guiné é fixe.
A vontade de lá voltar é enorme mas “nos próximos tempos não vai ser possível”. “O meu objetivo era ficar por lá uns longos meses e conseguir acompanhar isto de perto, ser mesmo eu no terreno”, mas só em 2025 conseguirá voltar ao país africano durante uma larga temporada. Até lá, dará seguimento ao negócio em Portugal.
As T-shirts vão chegar ao mercado na segunda semana de maio. A versão de adulto vai custar 29,90€ e a de criança ficará por 22,90€. Os cadernos irão rondar os 12€.