Se, em tempos, o preto e branco era a única opção de filmagem pelos cineastas, a evolução fez com que, hoje em dia, passasse a ser uma escolha criativa. A técnica não é coisa do passado: foi usada em “A Lista de Schindler”, em 1993, ou “Roma”, 2018, ambos premiados nos Óscares.
No que toca a séries, os exemplos são escassos. Mas acaba de estrear uma produção que muda o cenário. “Ripley” chegou à Netflix a 4 de abril. Criada e escrita por Steven Zaillian — argumentista de peso, responsável por clássicos como “Gangues de Nova Iorque”, “Searching for Bobby Fischer” e, surpresa, “A Lista de Schindler” —, surge totalmente filmada a preto e branco.
A escolha não é inédita em televisão. “Better Call Saul” adotou-a para, pelo menos, uma das linhas narrativas da série; “Black Mirror” fê-lo igualmente em Metalhead; e o remake de “The Twilight Zone” de 2019 também experimentou a filmagem a duas cores. Mas nenhuma assumiu o compromisso de forma tão convicta quanto “Ripley”.
“Era isto que fazia sentido para a história que queria contar”, revela Zaillian à “Indiewire” sobre a escolha de transformar a obra a preto e branco. “É muito sinistra e bastante negra.” Ao longo dos oito episódios acompanhamos Tom Ripley, personagem criada literariamente por Patricia Highsmith, agora interpretado por Andrew Scott.
Ripley continua a ser o charmoso sociopata que já conhecíamos de adaptações anteriores. É, essencialmente, um homem que vive sem remorsos, fazendo tudo à sua maneira. “Um vigarista é atraído para um mundo de riqueza e privilégio depois de aceitar um trabalho em Itália. Mas para ter a vida que quer, ele tem de criar uma rede de mentiras”, lê-se na sinopse disponibilizada pela Netfllix.
Mais uma vez, a narrativa desenrola-se em Itália, um país que nos filmes e séries é sempre marcado pelas paisagens idílicas e cores vibrantes. “Ripley” é uma das raras exceções a esta norma. “Não conseguia imaginar a história a ter lugar num cenário com céus limpos e com as personagens a usarem roupas coloridas”, confessa o argumentista de 71 anos, aqui num papel raro como realizador — fê-lo apenas por cinco vezes na sua carreira
Para que a meteorologia do país não fosse um empecilho às gravações da obra, Zaillian decidiu agendar as filmagens para o inverno. “Queria nuvens carregadas e chuva. Tinha esta estética em mente desde o início”, explica à “Vulture”.
Houve outro fator que influenciou a abordagem criativa do cineasta: o livro de “O Talentoso Ripley”, de Patricia Highsmith, que tinha na sua mesa de cabeceira. “Tinha uma fotografia a preto e branco muito evocativa na capa”, conta à “Vanity Fair”.
Não foi só neste aspeto que o livro impactou a produção. A publicação foi lançada em 1955, numa altura em que muitas obras eram gravadas a preto e branco. “Quando Patricia o escreveu, se ela pensasse num filme, via-o a preto e branco”, diz à “Indiewire”.
O cinematógrafo Robert Elswit foi uma grande ajuda para que o realizador conseguisse alcançar esta ambição, ele que já tinha trabalhado com Zaillian em “The Night Of” e que apresenta um currículo cheio de sucessos como “Magnolia”, “Haverá Sangue” ou “Vício Intrínseco”. Como a série também tem alguns elementos típicos dos film noir, acharam que fazia todo o sentido que não houvesse cores em qualquer um dos episódios.
Para homenagearem este género do cinema, tinham “uma regra permanente no set”: “Sempre que filmávamos ao ar livre, molhávamos as ruas, fosse de dia ou de noite, porque isso trazia instantaneamente à nossa mente as imagens típicas de um film noir. E porque é lindo. É um pouco melhor do que uma rua seca”.
A série tem sido um êxito entre os críticos. Conta com uma avaliação de 85 por cento no agregador de críticas Rotten Tomatoes. Andrew Scott, o próprio protagonista, também ficou rendido a toda a cinematografia. “Acho que a grande conquista desta versão da história é como ela ensina o público a assistir à série”, contou o ator de 47 anos à mesma publicação.
“Vivemos na era da televisão — não apenas da televisão, mas também nas redes sociais — onde queremos que tudo seja dito muito rapidamente e em 15 caracteres ou menos e depois seguimos em frente. As pessoas têm uma grande obsessão por isso. O que adoro é que o ritmo dos episódios [tal como o livro] pode ser rápido, mas às vezes também podemos ficar realmente imersos numa história. Acho que isso é um verdadeiro prazer para o público. A cinematografia a preto e branco casa perfeitamente com o ritmo da série.”
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