Existem fotografias que nos despertam os sentidos. A “Rapariga Americana em Itália”, por exemplo, faz-nos ouvir assobios, piropos e enquadrá-la numa suave e sedutora melodia de fundo, como se de um filme clássico se tratasse. Longe de Hollywood, a imagem foi registada em Florença, em 1951, onde Ruth Orkin captou o momento em que a pintora americana Jinx Allen, caminhava pelas ruas da cidade, tornando-se no centro das atenções do grupo de homens por quem passava.
Naquele segundo, a fotógrafa tinha apenas o objetivo de registar o momento caricato que, pelo seu olhar, merecia destaque, sem imaginar que esta imagem se tornaria numa das mais reconhecidas da sua carreira e até mesmo uma das fotografias do século XX. A norte-americana Ruth Orkin (1921-1985) foi uma das pioneiras do fotojornalismo no feminino. Pouco conhecida do grande público no nosso País, haverá agora a oportunidade de os portugueses conhecerem melhor o seu trabalho.
Este sábado, 27 de abril, será inaugurada, pelas 18h30, a primeira exposição em Portugal dedicada à sua obra. “Ruth Orkin: A Ilusão do Tempo” vai ocupar as paredes do Centro Cultural de Cascais até dia 7 de julho, numa iniciativa da Fundação D. Luís I e da Câmara Municipal de Cascais, inserida na programação do Bairro dos Museus.
A exposição reúne cerca de 120 fotografias (grande parte reproduções vintage), além de filmes, documentos e objetos como cartas, excertos de jornais e revistas, páginas do diário pessoal de Orkin, e uma câmara fotográfica que lhe pertenceu, para conseguir contar ao público a sua trajetória artística e “revelar a originalidade do seu ponto de vista, pessoal e íntimo, sobre as crónicas quotidianas da ‘vida americana'”, refere a apresentação do certame.
O trabalho de Ruth Orkin “é uma celebração de coragem, independência e vitalidade”, sublinha Anne Morin, curadora da exposição. Filha de uma atriz do cinema mudo e de um fabricante de brinquedos, a fotógrafa cresceu nos corredores dos estúdios de Hollywood. Aos dez anos recebeu a sua primeira câmara, sem imaginar que isso definiria o seu percurso.
Aos 17 anos, sozinha, pedalou entre Los Angeles e Nova Iorque para visitar a Feira Mundial de 1939, captando imagens pelo caminho de forma a criar um filme fotográfico de estrada. Em Cascais, estarão expostas algumas páginas do álbum de recortes “Viagem de Bicicleta, 1939” feito pela própria, para documentar esta aventura.
Além da fotografia, Ruth Orkin era apaixonada pelo cinema. No entanto, a carreira de cineasta, na primeira metade do século XX, parecia inalcançável para as mulheres. Desta forma, Orkin seguiu a vocação para a fotografia, cuja história ajudou a moldar. Não conseguiu tornar-se cineasta, mas deixou a sua marca como uma das mais importantes fotojornalistas da História.
É curioso, porém, perceber a sua sensibilidade cinematográfica nas fotografias que captava, como poderá observar na exposição. Orkin chegou mesmo a inventar, para si, uma nova linguagem visual, “situada entre a imagem em movimento e a imagem fixa, conduzindo o olhar a um diálogo contínuo entre estas duas temporalidades”, admite a curadora.
“Orkin nunca deixou de combinar as qualidades temporais da imagem fotográfica para simular o cinema. Sequências, decomposição de movimento, duplicação, simultaneidade, a sua linguagem visual situa-se na junção da imagem fotográfica e do cinema, na encruzilhada da quietude e da ação. A fotografia de Orkin é um caldeirão, um espaço que restaura o tempo e o movimento, levando a linguagem fotográfica além dos seus limites até ceder ao poder da ilusão e da magia”, refere Anne Morin.
“Muitas vezes Ruth Orkin fotografava cenas inteiras, mantendo o mesmo enquadramento para garantir a total linearidade do acontecimento. As imagens resultantes, apresentadas cronologicamente, contam uma história. Como por exemplo nos seus clássicos ensaios fotográficos ‘Jimmy conta uma história, West Village, Nova Iorque, 1947’, as suas primeiras fotografias que viu publicadas, ou em ‘Os jogadores de cartas, Nova Iorque, 1952’, ambos expostos em Cascais”, lê-se na nota de apresentação da mostra.
Apontada como fotojornalista, com trabalhos encomendados por publicações como o New York Times e a revista LIFE, Ruth Orkin também teve a liberdade de criar trabalhos da sua autoria. Em 1952, utilizou o modelo narrativo de fotonovela para criar o ensaio “Não Tenhas Medo de Viajar Sozinha”, sobre a experiência de uma mulher viajar só, pela Europa do pós-guerra, originalmente publicado pela revista Cosmopolitan.
É precisamente desta série que surge a icónica fotografia “Rapariga Americana em Itália”. “Nesta imagem, que não foi encenada, culmina todo o poder narrativo da obra de Orkin. A maneira como a situação retratada é interpretada – uma cena assédio ou um estudo sobre o empoderamento feminino? – faz parte do seu enorme apelo duradouro e enigmático”, lemos na apresentação da mostra.
Durante a sua carreira, Ruth Orkin manteve uma estreita ligação ao universo do cinema também por via da fotografia, já que retratou caras famosas como Alfred Hitchcock, Lana Turner, Lauren Bacall, Humphrey Bogart e Marlon Brando, além de personalidades de outras áreas como o fotógrafo Robert Capa, o maestro Leonard Bernstein e o cientista Albert Einstein. Todos estes retratos, podem ser vistos no Centro Cultural de Cascais.
“Ruth Orkin – A Ilusão do Tempo” estará aberta ao público até dia 7 de julho, de terça-feira a domingo, das 10 às 18 horas, no Centro Cultural de Cascais (CCC), situado na Avenida Rei Humberto II de Itália, número 16. O bilhete custa 5€ (com acesso a todas as exposições patentes no CCC), 15€ (com acesso a todos os equipamentos do Bairro dos Museus durante 24 horas), ou 25€ (com acesso a todos os equipamentos do Bairro dos Museus durante 72 horas).
