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Cillian Murphy: “A fama de ‘Peaky Blinders’ deu-me cabo da vida”

Começou a sentir-se como um animal no jardim zoológico e deixou de ter tempo para estar com a família. Foram anos atribulados.
O ator irlandês tem 47 anos.

“As pessoas assumem que todos os atores têm personalidades extrovertidas fora dos ecrãs. Nunca achei isso justo. Se o meu trabalho é perder a minha essência e retratar outro ser humano, é sempre melhor revelar o mínimo possível sobre mim”, revelou Cillian Murphy à “Radio Times”. As expectativas dos fãs sobre a sua vida privada é apenas um dos muitos problemas que a exposição lhe trouxe, sobretudo após a estreia de “Peaky Blinders“, em 2013.

Atualmente, Murphy é um dos atores mais elogiados de Hollywood. Desde que começou a representar, nos anos 90, participou em filmes como “28 Dias Depois” (2002) de Danny Boyle, e trabalhou por diversas vezes com Christopher Nolan — em “A Origem”, “O Cavaleiro das Trevas” e, claro, em “Oppenheimer”.

A sua interpretação do criador da bomba atómica valeu-lhe uma nomeação na categoria de Melhor Ator nos Critics Choice Awards. A entrega dos prémios ocorreu a 15 de janeiro, e perdeu para Paul Giamatti (“Os Excluídos”). Apesar da derrota, todos querem trabalhar com ele. O reconhecimento generalizado surgiu após ter dado vida a Tommy Shelby em “Peaky Blinders”.

“Quando estive em Nova Iorque dei entrevistas a jornalistas da Venezuela, Peru, Japão, e todos falaram da sua paixão pela série. Isso é fascinante para mim. Ninguém sabia que este projeto sequer ia existir porque não houve publicidade. Cresceu graças ao passa-palavra, e isso deixa-me muito orgulhoso”, contou, em 2021, ao “The Hollywood Reporter”.

Tal como não estava à espera do sucesso da produção, também não sabia que a sua vida ia mudar completamente. Já tinha um currículo invejável, mas ainda conseguia ter uma rotina relativamente normal. Saía à rua com a família, ia às compras sem preocupações e divertia-se. A partir de 2013, o ano de lançamento da primeira temporada do fenómeno de culto, tudo mudou. De repente, deixou de poder fazer coisas que tomava como garantidas.

“A fama de ‘Peaky Blinders’ deu-me cabo da vida porque tudo em mim começa a ser examinado até ao mais ínfimo detalhe. A privacidade deixa de existir. Agora, quando vou à rua, começam a tirar-me fotografias como se fosse um animal no jardim zoológico. Isso destrói a minha existência”, explicou à revista “Variety”.

Contudo, o ator de 47 anos não recrimina as reações dos fãs. Na sua cidade natal (em Douglas, Irlanda) é apenas um “filho da terra”, mas quem não o conhece só vê a personagem. “Se aparecesse aqui alguém de ‘Succession’, sei que até eu ficaria intimidado. Quando somos confrontados com uma figura em que investimos muito emocionalmente, os encontros podem ser estranhos”, reconheceu.

Para evitar situações constrangedoras, deixou de ir à rua. “Estou sempre com a minha família e amigos, exceto se tiver um filme para promover”, revelou. Aliás, Murphy não esconde que odeia as digressões de promoção dos filmes. “Só as faço porque sou contratualmente obrigado. Tenho de aguentar as apresentações, mas são momentos muito difíceis”, admitiu ao “The Guardian”.

“Sou um privilegiado e muito feliz por poder fazer aquilo que amo. Sou um sortudo. Mas não gosto da promoção que também faz parte da carreira de um ator. Não percebo porque tenho de entreter as pessoas quando vou a um talk show. Realmente, não sei porque esperam que o faça.”

Tommy Shelby é o oposto de Cillian. O gangster é carismático, o ator é mais reservado. O contraste entre a sua personalidade e a da personagem nem sempre é fácil de gerir para o ator. “Fico triste porque sei que os fãs gostavam que tivesse uma postura mais extrovertida e apelativa. O Tommy é o oposto daquilo que sou”, assume à “Variety”.

Devido à diferença de feitios, o ator teve de trabalhar muito para encarnar o papel — e isso até significou afastar-se da sua mulher e dois filhos. Durante as gravações, tornou-se mais frio. “Isto criou uma distância entre mim e a minha família”. 

Entre 2013 e 2022, os seus dias eram passados a pensar nas cenas que ia gravar. Quando não estava à frente das câmaras, estava na sua caravana a ensaiar as falas. “Não podia estar a fazer palavras-cruzadas ou outras atividades semelhantes porque depois é mais difícil entrar no estado de espírito necessário para as filmagens. Adaptar a personalidade do Tommy era um processo muito complexo”, revelou.

Fazia o mesmo quando terminava de gravar: “Em vez de ficar no set a socializar com os outros, ia para casa. Mas também não interagia muito com a minha família. Ficava a estudar mais, a memorizar as minhas falas e depois ia dormir”.

O fim da série trouxe-lhe um maior equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho. Em vez de se mudar para Hollywood, optou por continuar a morar na Irlanda para proporcionar uma vida o mais tranquila possível aos filhos (Malachy, com 18 anos e Aran, com 16). Acumula prémios, mas continua a cultivar a privacidade, mantendo-se afastado das redes sociais. Já foi distinguido com 30 prémios, desde Globos de Ouro a IFTAS, a principal premiação da indústria cinematográfica irlandesa.

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