Estávamos em 1996 e Donald Trump seguia a bordo do seu jato privado. Ao seu lado estava Eric, então com 13 anos, que foi incumbido da tarefa de colocar a cassete VHS no leitor. A escolha daquele que é hoje o presidente eleito dos EUA recaiu sobre “Força Destruidora”, o filme de ação de 1988 com Jean-Claude Van Damme no papel principal.
“É um filme incrível. É fantástico”, disse Trump, que seguia acompanhado de um jornalista da “The New Yorker”, que relatou a experiência num perfil. Mas o norte-americano não viu o filme como o resto das pessoas. Sob as ordens do pai, Eric carregava regularmente no botão para avançar, de forma a saltar os diálogos — e ir diretamente às cenas de pancadaria. O objetivo passava por “reduzir o filme das suas duas horas a apenas 45 minutos”.
Nos últimos 30 anos, a veia cinéfila de Donald Trump — que esta quarta-feira, 8 de novembro, foi declarado vencedor nas presidenciais americanas e regressa assim ao cargo que perdeu nas eleições de 2020 — parece não ter mudado muito. Num comício das últimas eleições gerais, comentou o resultado dos Óscares desse ano, que apelidou de “terríveis”.
“O vencedor foi um filme da Coreia do Sul [“Parasitas”]. Mas que raio é isso? Foi bom? Não sei. Deviam ter dado o troféu ao ‘E Tudo o Vento Levou’. Tragam esse filme de volta, por favor”, reclamou. A menção à obra de 1939 não chocou os críticos, sobretudo dadas as polémicas recentes sobre a obra, criticada pelos retratos estereotipados de personagens negras.
Perante todas estas condicionantes, seria fácil pressupor que a lista de filmes favoritos de Trump seria uma escolha pouco convencional. Nada disso. O elenco começa com “Citizen Kane: O Mundo a Seus Pés”, e prossegue com “O Padrinho” e “O Bom, o Mau e o Vilão” de Sergio Leone, que se juntam a “E Tudo o Vento Levou” e “Força Destruídora”. E excluindo o filme de ação, a lista poderia muito bem ser uma cópia a papel químico de um qualquer top dos melhores de sempre.
O elemento estranho nesta lista continua a ser “Força Destruídora”, o filme de ação que cai habitualmente na caixa dos filmes “tão maus que são bons”. Protagonizado por Jean-Claude Van Damme, “Bloodsport” (o nome em inglês) não foi exatamente um sucesso entre os críticos, nem era isso que se esperava dele. Desenhado para ser puro entretenimento, cumpriu nos cinemas ao arrecadar 50 milhões, depois de ter custado apenas 1,5 milhões a produzir.
No papel de herói está Frank Dux, um lutador de artes marciais americano que decide abandonar o exército para competir no Kumite, um perigoso e famoso torneio em Hong Kong onde a morte no ringue não é incomum.
Acaba por conhecer outro americano com quem trava amizade. Ray Jackson, que também quis arriscar a vida no Kumite, é emparelhado com Chong Li, o temível adversário chinês que o derrota e o atira para uma cama de hospital. Destroçado, Dux promete vingança.
Não sabemos se todos estes detalhes chegaram até Trump. “Ele passou à frente todas as pausas entre as marteladas no nariz e as pancadas nas canelas”, recorda o Mark Singer da “The New Yorker” sobre o visionamento no jato privado.
Numa das cenas, o jornalista esboçou um sorriso. “Admite, também te riste”, gracejou Trump. “Queres escrever um perfil sobre como o Donald Trump adora um filme ridículo com o Van Damme, mas tens coragem para escrever que tu também gostaste?”
Já o argumentista do filme, Sheldon Lettich, acabou por ter que enfrentar o legado de ter assinado “Força Destruidora”. “Os meus amigos estão sempre a meter-se comigo. Apresentam-se sempre como ‘o gajo que fez o filme favorito do Trump.”
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