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A louca e obsessiva rotina do multimilionário que quer viver para sempre

Aos 46 anos, Bryan Johnson quer rejuvenescer até aos 18. “Eliminei todas as escolhas conscientes. Já está tudo decidido por mim e foi o melhor que me aconteceu.”
Nada do que come é escolhido por si

A saga começa às cinco e meia da madrugada, ainda no escuro, hora a que Bryan Johnson acorda após nove horas de sono. O que se segue é uma rotina feita a velocidade furiosa e que envolve um capacete de meditação, um cocktail de suplementos, dezenas de comprimidos e cremes e uma sessão de treino de duas horas.

O tom de normalização deste comportamento aparentemente obsessivo leva-nos a uma comparação óbvia. Johnson, multimilionário de 46 anos, elevou o culto do corpo e de vida saudável a um patamar que só um endinheirado poderia levar — uma espécie de Patrick Bateman, de “American Psycho”, sem a veia de assassino em série.

Por detrás do vídeo de 30 minutos que detalha uma das suas típicas manhãs está o projeto Blueprint. Criado pelo próprio, recruta mais de três dezenas de médicos e especialistas que analisam incessantemente o seu corpo — com um custo de dois milhões de euros por ano —, para criar o estilo de vida e alimentação perfeita para o rejuvenescer. Johnson argumenta que todo este processo foi capaz de reduzir a sua idade biológica em cinco anos. Gaba-se de ter a pele de um homem de 28 anos e a capacidade física de um de 18.

Este projeto do milionário é antigo, mas serve de pretexto ao novo documentário da Netflix, que “mergulha na mente e revela a mudança drástica que desviou o empreendedor das suas lutas pessoais para dedicar todo o seu tempo e energia — e uma considerável parte da sua fortuna — para tentar viver muito para lá da expectativa de vida humana atual”, revela a sinopse. “O Homem Que Quer Viver Para Sempre” estreou a 1 de janeiro na Netflix e já é a quinta série mais vista na plataforma em Portugal.

Assim que acorda, Johnson volta para a cama para meditar. Recheado de aparelhos que medem todos os seus sinais vitais, coloca um capacete na cabeça recheado de luzes luminosas. No final da sessão, afirma que recebe um relatório que o avalia quanto à sua prontidão e capacidade cerebral para enfrentar o dia. “É super certeiro. Quando me sinto stressado ou quando tive uma má noite, normalmente é visível no relatório”, explica. “Hoje vai ser um bom dia.”

À frente da sua equipa de médicos está Oliver Zolman, investigador de terapias de tratamento do envelhecimento. É com ele que Johnson desenvolveu este projeto que obriga a um regime sem pausas, sem exceções, sem contemplações. “Nunca abro exceções. Se abres uma exceção, por qualquer motivo, torna-se numa bola de neve”, explica, sobre a adesão rígida ao que está nos planos. “Se isso acontecer, cai tudo por terra.”

O norte-americano que chegou a ser um missionário mórmon durante dois anos no Equador acabaria por se tornar num dos milionários da indústria tecnológica. Começou por vender telemóveis e foi um dos pioneiros da tecnologia de chamadas através da Internet. Em 2007, fundou a Braintree, empresa que acabaria por comprar a Venmo, a aplicação de pagamentos que se tornou a norma nos Estados Unidos. Em 2013, foi adquirida pela PayPal por mais de 800 milhões de euros.

O projeto Blueprint não surge no vazio. Johnson é uma espécie de cobaia viva dos seus produtos. Depois de criar a OS Fund em 2014, uma empresa de capitais de risco que investe nas áreas das terapêuticas assentes em tecnologia, fundou a Kernel, que cria aparelhos que ajudam a medir sinais elétricos do cérebro e, consequentemente, ligá-lo ao mundo digital, com vista a gerar avanços no tratamento de problemas e doenças do cérebro. Muitos dos aparelhos que Johnson usa são, naturalmente, feitos pela sua própria empresa.

Segundo o próprio, toda essa nova mentalidade teve origem num período de profunda depressão e pensamentos suicidas. À medida que ia procurando tornar-se mais saudável — e que sonhava com uma vida muito mais longa do que a do comum dos mortais —, usou a sua fortuna para impelir a investigação nesse sentido.

De volta à sua rotina, a meditação termina e a próxima paragem é a cozinha, onde desata a preparar “uma pequena mistela”. Num copo de água — bebe sempre pelo menos 1,5 litros por dia —, mistura creatina, manganésio, iodo, péptidos de colagénio, espermidina, cacau e canela. O resultado é um líquido viscoso, escuro, que Johnson ingere até à última gota. “Podem olhar para isto e pensar que é nojento. Não é. É delicioso. Talvez porque esteja treinado a bebê-la, mas adoro.”

O cocktail é acompanhado de uma colher de azeite extra virgem, dose que toma pelo menos três vezes por dia, antes de se socorrer de uma gaveta recheada de pequenas caixas metálicas, todas elas etiquetadas. Os seus assistentes deixam tudo pronto: em cada uma das caixas — para tomar “ao acordar”, “ao almoço” e “ao deitar” — estão dezenas de comprimidos. Num golpe rápido, agarra duas pastilhas elásticas com xilitol que mastiga durante exatamente 60 segundos, antes de as deitar fora. “O xilitol ajuda a prevenir a deterioração dos dentes. Faz parte do meu regime oral.”

Johnson é multimilionário.

Segue-se um treino que pode ir de uma a duas horas, sempre diário, e que consiste num circuito pré-desenhado. “Vou sempre ao limite da tolerância da dor”, explica, ao terminar um treino de 15 minutos de HIIT. “Tenho trabalhado no meu ritmo cardíaco máximo. Ninguém sabe muito bem como é que se pode aumentar, mas a minha equipa, de alguma forma, conseguiu melhorar o meu em oito por cento nos últimos meses.”

Johnson não leva uma vida normal. Tudo o que faz é ditado pelo seu corpo, pelos relatórios elaborados pelos médicos e nunca, mas nunca pelo seu cérebro, pelos seus desejos. “A chave do Blueprint é precisamente a de retirar a minha consciência, a minha mente, do processo de tomada de decisões. Desde que acordo de manhã. É por isso que tenho sempre os meus comprimidos já separados, todas as baterias dos aparelhos carregadas. Assim que abro os olhos, começo com o primeiro movimento, sempre assim até ao fim da minha rotina matinal às 9h30. É tudo em piloto automático.”

“Nunca tenho que pensar em nada. Nunca existe essa opção do se ‘devo treinar ou não’ ou se ‘me sinto suficientemente bem para treinar’. Está tudo decidido por mim. Está feito. Eliminar as minhas escolhas foi o melhor que me aconteceu.”

O que Johnson não explica, mas mostra, é que para ter tudo preparado, das dezenas de caixas etiquetadas com a seleção de comprimidos correta, às refeições personalizadas, preparadas e prontas a comer, tudo isso requer uma enorme equipa de assistentes. E isso requer, naturalmente, um enorme poder financeiro.

Há outro limite que o norte-americano não ultrapassa: a barreira diária das 2150 calorias. Com a ajuda dos especialistas, procurar que cada uma dessas calorias “seja desenhada especificamente” para o seu corpo. Mais uma vez, toda a escolha e os desejos são retirados da equação.

“Procuramos que nada seja feito ao acaso. Tudo o que aqui está é resultado de centenas de análises e medições ao meu corpo que geram dados que analisamos”, refere. “O importante é que a minha mente nunca é consultada sobre o que quer comer. Só o meu corpo é consultado. Estas medições perguntam ao meu fígado, ao meu coração, o que é que eles precisam para funcionar. E tentamos satisfazê-los através da comida.”

Ao primeiro prato chama-lhe “super vegetais”, uma massa viscosa e pré-triturada de brócolos, couve-flor, gengibre, alho, cogumelos, lentilhas pretas, sementes de cânhamo. Johnson gaba-se de ingerir mais de 22 quilos de vegetais por mês. Alguns minutos na frigideira para aquecer e a pasta de vegetais está pronta a comer. Para mais tarde, há ainda uma sopa de caril de abóbora e batata doce e um pudim de nozes que guarda para o jantar — refeição que toma por volta das 16h30, quatro horas antes de encerrar o dia e ir para a cama, por volta das 20h30.

Para o seu médico, Johnson é um exemplo único no mundo. “Não há nenhuma pessoa que tenha idade cronológica de 45 anos mas que revele uma idade de apenas 35 anos em cada órgão”, explicou Oliver Zolman em entrevista à “Bloomberg”. Para que tudo isto possa ser precavido e analisado, o norte-americano comporta-se como uma cobaia: faz constantes análises ao sangue, ressonâncias magnéticas, ultrassons, colonoscopias. Enquanto dorme, é constantemente monitorizado quanto à temperatura, frequência cardíaca, níveis de oxigénio e até ereções. Os testes aos órgãos, rins, próstata, tiroide, são frequentes.

Esta luta por uma vida mais longa não é apenas interna. Johnson está tão preocupado com a saúde dos seus órgãos como com o seu aspeto físico. É por isso que enquanto aquece a comida, faz uma passagem pela casa de banho para um duche rápido e uma sessão de aplicação de cremes — dezenas deles —, também feitos à medida para o seu corpo e condição.

Um dos cremes que aplica vai já na sua terceira versão. Pretendem criar o “creme de pele perfeito”, mas a fórmula ainda não está no ponto certo. “Ainda faz com que a minha pele fique cor de laranja, por isso só aplico no peito, nunca na cara ou nos braços”, explica. Para perceber se os cremes estão a produzir os efeitos necessários, são necessárias constantes biopsias que acabam por deixar dezenas de marcas de cicatrizes no corpo. Também por isso Johnson diz que estão a investigar uma nova forma de o fazer. “Acabámos de descobrir um novo método de biopsia, que me permite fazer biopsias na face, sem deixar marcas.”

A rotina matinal termina com a ingestão da enorme taça de pasta vegetal sob um foco luminoso que, garante, ajuda a rejuvenescer tendões e ligamentos, mas também a “normalizar os ritmos circadianos”. Fá-lo durante 15 minutos por dia.

Nem sempre tudo corre bem. Os tratamentos experimentais já deram origem a reações alérgicas, por exemplo quando injetou gordura na face. Johnson, que se mantém sempre no limite da gordura corporal, entre os cinco e seis por cento, já arriscou chegar aos três por cento, altura em que correu elevados riscos de sofrer de problemas cardíacos.

Perante este estilo de vida inusitado, muitos são os que deixam críticas às opções de Johnson. Convive bem com elas. “É normal que seja criticado e não há problema. Sei que pode parecer algo extremo mas estou a tentar provar que a degradação [da idade] não é inevitável.”

“Vivemos no século XXI. Em que é que deveríamos estar a pensar? Penso recorrentemente naquilo que seres mais inteligentes no futuro, em 2500 ou seja quando for, pensarão quando olharem para trás para perceberem o que é que realmente importava”, afirma. “Claro que será então óbvio para eles, da mesma forma que é óbvio para nos quando olhamos para os séculos XV, XVI, XVII…. É esse tipo de lucidez que procuro ter todos os dias. E é difícil.”

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