O parto de Caiá Assis foi tudo menos rotineiro. Chegou às mãos das parteiras sem batimento cardíaco. “Fiquei completamente ansioso quando percebi que ele tinha o cordão umbilical à volta do pescoço e não reagia às intervenções dos médicos. Quando, finalmente, respirou, foi um grande alívio.”, conta o pai, José Assis, de 74 anos.
Infelizmente, o tempo que demorou a intervenção foi o suficiente para provocar lesões cerebrais irreversíveis. Algumas horas mais tarde, outra má notícia: um diagnóstico de Trissomia 21. Hoje, 49 anos depois, Caiá deixou tudo para trás e é um dos embaixadores do surf adaptado em Portugal, desporto que pratica na associação SURFaddict.
“Desde pequenino que ele sempre teve uma enorme paixão pela água. Quando entrava numa piscina ou no mar, era preciso ir lá tirá-lo, mesmo antes de saber nadar. Sentia-se muito à vontade naquele habitat”, recorda o progenitor, que em 1975 vivia em Luanda. Só ao fim de alguns meses regressou a Lisboa com a família.
“Quando chegámos a Portugal tentámos que ele integrasse uma associação especifica para pessoas com Trissomia 21, mas era demasiado protegido e não o deixavam aventurar-se. Ele estava habituado a fazer tudo normalmente, como qualquer criança.”
Ao longo da infância, sempre esteve ligado a atividades desportivas. Fez judo no Ginásio Clube Português, conquistou o cinturão azul em Taekwondo Songan, um dos níveis mais avançados da arte marcial e participou numa meia maratona não oficial, no Rio de Janeiro.
O surf surge mais tarde, em 2016. “Cruzei-me com a associação de surf adaptado por acaso e achei que seria ótimo para ele porque envolvia água, praia, sol e convívio com outras pessoas”, explica José Assis.
A Associação Portuguesa de Surf Adaptado, criada em 2012, foi uma das primeiras a surgir na Europa. Funciona com o apoio de voluntários e patrocinadores e tem como objetivo tornar a modalidade num desporto para todos. Sem meios para organizar aulas, foi criado um polo terapêutico onde, semanalmente, são feitas sessões abertas com todos os participantes que queiram experimentar. O próximo acontece a 1 de setembro na praia de Carcavelos.
“Começaram a aparecer muitas mães com filhos que tinham algum tipo de problema mental ou físico e emocionavam-se pela forma como os viam felizes em estar incluídos numa atividade em que, normalmente, não o eram”, revela o pai de Caiá, que se tornou assim um embaixador da associação.
Além de ser figura relevante, gosta de ajudar os outros a envolverem-se na modalidade. “É um bom sentimento ver os outros a aprender. Sinto-me bem porque consigo ajudar as pessoas e vê-los a surfar como eu. Com a ajuda de todos é muito mais fácil”, confessa o próprio. Recentemente, fez o que ninguém esperava que pudesse acontecer e que é sempre um marco para quem está a aprender a surfar: conseguiu colocar-se em pé em cima da prancha.
Dependendo das dificuldades de cada um, as dinâmicas são adaptadas pelos responsáveis da associação. As pranchas foram personalizadas com a ajuda de patrocinadores, de forma a tornar a prática mais confortável e segura. A base tem uma curvatura específica para quem não consegue deitar-se na totalidade e há umas pegas nas laterais para se poderem segurar, além de apoios na zona de baixo para quem não tem controlo dos membros inferiores. Também foram desenvolvidas umas cadeiras de rodas anfíbias.
Para o mês de setembro já estão agendadas duas datas de eventos abertos à comunidade, dias 7 e 21, na praia de Carcavelos. “Queremos continuar a participar a vários níveis. O Caiá é praticante e dá o exemplo a outras famílias para levarem pessoas com qualquer tipo de deficiência ou condicionamento físico para experimentarem algo que, à primeira vista, era impossível para eles.”