Ava Vahneshan vivia um dilema quando saía de casa, todas as semanas, para frequentar aulas de canto. Amava o que fazia, mas sabia que estas eram ilegais no Irão, na cidade de Mashhad, a segunda maior do país e uma das mais religiosas. Conhecia todos os riscos. Se a encontrassem a cantar podia levar apenas um aviso, mas também podia ir presa, ou pior.
Nada disso a desencorajava, apenas lhe dava mais força para continuar a fazer o que gostava. Era fã de concursos televisivos, onde as mulheres mostravam os seus talentos, sem medos ou receios de represálias. Toda a opressão que vivia, fez com que Ava decidisse sair do Irão, em 2018, com apenas 19 anos.
Escolheu Portugal como destino para recomeçar a vida, já que tinha membros da família a viver por cá, como o irmão. Acabou por ir viver para o Estoril, em Cascais. Apesar da mudança, ainda não se conseguia sentir totalmente em liberdade.
“Lembro-me de chegar a Portugal e de ver que os países não são assim tão diferentes, as pessoas têm uma hospitalidade parecida, são calorosas. Mesmo sabendo que aqui não tinha restrições por ser mulher, demorei algum tempo a sentir-me completamente livre. Lembro-me de sair, vestir outro tipo de roupas e sentir-me desconfortável com o que estavam a pensar à minha volta, até continha o meu riso quando estava feliz, já que no Irão não nos podemos rir alto”, começa por contar Ava à New in Cascais.
No entanto, nunca se quis sentir uma vítima. Decidiu apostar no seu futuro e conhecer cada vez mais a cultura nacional. Tirou um curso de português na Faculdade de Letras e, logo de seguida, uma licenciatura em medicina chinesa no Instituto Português de Naturologia.
Tudo parecia encaminhado, mas Ava ainda não tinha realizado nenhum dos seus sonhos. “Quando era miúda não entendia a opressão, mas agora vejo tudo com clareza. A minha mãe era professora de natação e isso também me inspirou a seguir algum tipo de desporto de alta competição. Porém, o Irão não participa em algumas modalidades dos Jogos Olímpicos, como é o caso da natação. As mulheres não podem utilizar fato de banho”, revela.
Entre as diferentes oportunidades que encontrou em Portugal, pensou em realizar algo que nunca conseguiu no Irão. Aproveitou o talento da sua voz e a experiência das aulas de canto para se candidatar ao “The Voice Portugal” em 2021, onde teve algum sucesso. Passou a primeira fase e teve como mentor António Zambujo, que a levou até às batalhas, onde acabou por ser eliminada.
A primeira atuação foi a que se tornou mais viral nas redes sociais, já que Ava cantou em persa. Depois do concurso e de revelar a sua história ao mundo, menciona que “muitas portas foram abertas” e que até chegou a lançar uma música, chamada de “Rise”.
Em 2023 decide visitar alguma família que vivia Estados Unidos da América. O plano era passar lá dois meses e conhecer um pouco a “terra das oportunidades”, mas uma paixão fez com que ficasse por lá quase um ano. O destino cruzou-a com um amigo de infância do Irão, que não via desde os oito anos. Tinha emigrado para os EUA ainda em miúdo, mas, todos os anos, felicitava Ava no seu aniversário sendo alguém que, apesar das poucas mensagens, estava presente.
Combinaram um encontro em Miami, na Flórida, e acabaram por viajar juntos por diversos locais, incluindo Califórnia e Virginia. Entre viagens, Ava foi pedida em casamento. Na mesma época, recebeu uma mensagem muito especial no Instagram, que acabaria por mudar a sua vida.
“O Irão nunca participou no concurso Miss Universo, era algo impensável, já que temos de desfilar em fato de banho e biquíni, ou seja, nunca existiu uma Miss Irão. Porém, nesse ano, decidiram criar uma Miss Pérsia, a cultura antiga do Irão, e convidaram-me para participar. Na altura estava fora de forma e tinha ganho algum peso por causa das comidas americanas, mas aceitei o desafio. Era a oportunidade perfeita”, conta à NiC.
Parecia uma realidade saída de um conto de fadas, refere a jovem. A verdade é que a Ava não só participou no concurso, como conseguiu mesmo vencer o título de Miss Universo Pérsia aos 26 anos, em junho de 2024. Tornou-se na primeira mulher iraniana a participar no concurso mundial de beleza.
A etapa seguinte era participar no concurso Miss Universo, onde participam as 130 vencedoras de concursos nacionais. “O concurso da Miss Universo passou-se no México, em novembro de 2024. Foi muito desafiante. Tive aulas para aprender maneiras específicas de falar, treinei todos os dias no ginásio de três a quatro horas, perdi 10 quilos e segui uma dieta com muitos ovos e poucos hidratos de carbono. Inclusive, aprendi a falar espanhol para me integrar melhor na sociedade” confessa.
“Apesar de ter ficado no top 30 em 130 concorrentes, houve momentos muito engraçados. Lembro-me de conhecer a Miss Portugal e a Miss Brasil e todos ao redor ficarem espantados, já que estávamos as três a falar em português, algo estranho para quem estava com uma faixa a dizer miss Pérsia”, acrescenta.
Tem 1,65 de altura e pesa 48 quilos. Diz que, apesar de amar comida iraniana, esta tem muita gordura e que é boa de sabor, mas má para a saúde. Quer continuar a trabalhar e a tentar chegar mais longe na categoria da Miss Universo. No fundo, deseja ser a voz das mulheres do Irão e mostrar que se ela conseguiu, nada é impossível.
Agora está de volta ao Estoril, o local a que chama de casa. Diz que adora a zona da Marina de Cascais, costuma passear por lá e não dispensa ver o pôr do sol, sempre que consegue. Quanto à gastronomia local, diz que não perde uma oportunidade de ir ao Fauna & Flora Estoril, o seu restaurante favorito.
“Nunca iria viver no centro de Lisboa, a zona de Cascais conquistou-me. Esta calma, o silêncio e a ligação com a natureza são coisas que não consigo abdicar, é por isso que vou continuar a viver no Estoril“, termina.
Carregue na galeria e veja algumas fotos de Ava Vahneshan, a Miss Pérsia que vive em Cascais.