À primeira vista, Olívia C. destaca-se pelos cabelos ruivos, o rosto adornado com sardas e os lábios sempre rubros. É desta forma que aparece em cenários como o Peru, França ou Itália. No entanto, a figura com traços perfeitos nunca esteve em nenhum destes países. Na realidade, nem sequer existe.
Com mais de 12 mil seguidores no Instagram, a influencer é uma “viajante artificial”, criada com recurso à Inteligência Artificial (IA) pelo estúdio português Falamusa, das Caldas da Rainha. Nas redes sociais, partilha conteúdos sobre as principais paixões — das viagens à arte, passando pela moda, gastronomia, poesia e música.
Não tem apelido completo, nem idade. Apenas sabemos que é filha de pais portugueses, lê escritores como Miguel Torga e adora explorar recantos escondidos no Porto, onde reside. As descrições são enigmáticas e todas elas em inglês, mas é exatamente esse mistério que tem despertado interesse.
Embora Olívia represente uma mulher adulta, nasceu em abril de 2014. “Tudo começou como um desafio às nossas competências técnicas e criativas para construir uma personagem digital verosímil com uma história cativante”, explica Rita Lança, fundadora da Falamusa.
Desde o princípio, o Instagram pareceu a escolha óbvia para avaliar o impacto desta criação. A grande exposição a um público “facilmente acessível” permite agora apresentar uma contadora de histórias, que “acaba por ser um reflexo ou extensão da personalidade” da equipa por trás da influencer.
A próxima Miss Mundo IA
Olívia faz parte da lista de 10 modelos que competem na primeira edição do concurso Miss Inteligência Artificial, organizada pela World AI Creator Awards (WAICA). A beleza, a tecnologia e a influência nas redes sociais são alguns dos critérios que serão avaliados por um painel de jurados composto por integrantes humanos e figuras criadas digitalmente.
Entre 1.500 submissões a nível mundial, destacam-se candidatas do Brasil, Roménia, Marrocos, França, Índia, Turquia e Bangladesh. A grande final acontece no final de junho e a criação vencedora vai receber um prémio em dinheiro de 5 mil euros, além de programas de mentoria em IA, serviços de relações-públicas, entre outros.
“O concurso pareceu-nos uma forma interessante de mostrar o estado atual da tecnologia. É um imaginário que toda a gente entende e é inevitável provocar um choque, mas é uma reação que é útil nesta fase em que estamos a descobrir o potencial destas ferramentas”, acrescenta Rita Lança.
Rita defende que, mais do que fazer previsões, é importante acompanhar o ritmo de evolução tecnológica — nas escolas, nas famílias ou no trabalho. E o universo das Miss, com avatares que representam diferentes culturas, pode ser um espaço seguro para que o público comece a refletir sobre estes temas.
“Como estamos a falar de algo que tem a capacidade de distorcer a realidade, como o tempo, o espaço, percepção e a opinião, é importante que cada um de nós saiba encontrar um equilíbrio que produza bem-estar cultural, social e financeiro nesta realidade extremamente volátil.”
Aventureira, andrógena e provocadora
Nenhuma publicação no feed de Olívia é feita ao acaso. Cada foto ou vídeo é uma peça deste puzzle que é a personalidade de uma figura virtual, mas a qual não deixam de ser associados traços de personalidade ou emoções. Um dos desafios é fazer com que o público se consiga identificar com a personagem.
A fotografia de várias lembranças turísticas do Porto, publicada em maio, mostra-nos que, por trás desta imagem idealizada, há orgulho na cidade. O lado introspetivo está presente quando surge de olhos fechados e com a cabeleira ao vento, enquanto as simulações de paisagens destacam o seu apreço pela natureza.
Antes mesmo de pensarem nos traços físicos, os criadores do avatar focaram-se na personalidade. “Queríamos explorar uma narrativa ligada a viagens, ao estilo de uma verdadeira influencer do Instagram“, realça Rita. Olívia C. é “curiosa, prática, aventureira e um tanto hedonista”, algo que é explorado recorrendo a imagens “andrógenas e subtis, por vezes provocadoras e orgulhosas” de alguém que passa mais tempo em aeroportos do que em casa.
https://www.instagram.com/p/C8PdiM2oWXw/
“Por serem corpos e personalidades pensados por seres humanos, acaba por haver uma batalha de expectativas do que deve ou não deve representar um avatar AI. É inevitável a discussão pública à volta da influência destas figuras em relação a expectativas de autoimagem, por exemplo”, revela.
Apesar desta resistência, os responsáveis acreditam que esta discussão pode ser uma mais-valia para projetos noutras áreas, de serviços comerciais a públicos. “Falamos de esferas em que começam a despontar figuras humanas para dar rosto e voz a complexos sistemas de LLM (large language models) com o qual as pessoas interagem”.
Um longo caminho a percorrer
No entanto, houve vários desafios. O principal estava em criar uma representação simbólica daquilo que as marcas e serviços são na sua essência, seja com fins comerciais ou não. E, ao mesmo tempo, correspondendo à expectativa de um público que poderá não estar familiarizando com esta novidade.
“Ao ritmo que a tecnologia avança, qualquer um de nós poderá ter um influencer AI à sua medida, um companheiro virtual para o guiar num mundo digital cada vez mais imiscuído no nosso quotidiano”, frisa. “O público já está mergulhado totalmente nele sem ter grande consciência disso”, acrescenta Rita Lança.
Ao mesmo tempo, defende que a estratégia para aumentar o engajamento não deve ser diferente das influencers de carne e osso. As boas imagens e as boas histórias são os dois pilares principais, assim como a publicação de conteúdo variado e consistente e a interação com o público.
No entanto, o facto de ainda ser terreno desconhecido obriga a mais paciência “para chegar a números de seguidores respeitáveis para serem monetizados através da economia da atenção em todos vivemos”. Enquanto fenómenos como a espanhola Aitana ganham 10 mil euros por mês, Olívia continua a desbravar oportunidades no online.
“Neste momento, estamos a descobrir o mundo tal como a Olívia C. o está a fazer, de forma estratégica e criativa”, conclui. É assim que, enquanto estuda as reações — algumas de estranheza, outras de espanto — a personagem torna-se cada vez mais interativa “num mundo realmente grande”.
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